segunda-feira, 1 de dezembro de 2014

De copo sempre cheio e coração vazio



O copo é a companhia do desalento.  É a ternura da carência. É a válvula de escape para a mão desprovida de outra para segurar.
Os românticos jamais ficam sozinhos. A necessidade de manifestação do amor e afeto por algo é uma dependência extasiante. Os espaços entre os dedos, quando incompletos, provocam dor de morte. Choro retorcido de quem grita sem emitir som.
O líquido preenche no copo o espaço desocupado no coração. O copo é o coração. É a bengala dos amantes. O copo em uma mesa de bar é a clínica psiquiátrica do ensandecido de paixão. Do dependente do escárnio de uma mendicância de afeto. Um encostar que simula um carinho. Qualquer coisa que possa se aproximar.
Beber para esquecer. Beber para lembrar. O ébrio de amor, quando combina a bebedeira da indiferença com a da bebida, submerge-se ainda mais nas lembranças.
Seres realmente tristes parecem ter apego à tristeza. Não se recorre à roda de samba ou a um bolero na infelicidade. O desafeito de amor não procura se curar alimentando pensamentos positivos. A tristeza, ao contrário disso, é preservada a sete chaves. Passa a ser um membro especioso. É intocável.
Sertanejo de raiz. Tangos. Poemas de casos perdidos. Filmes de drama. Esses são os remédios para o coração vazio. O vazio é o único capaz de completar esse nada que insiste em fazer morada. Nada será tão compatível. Nenhuma autoajuda servirá de apoio. Conselhos são inúteis.
Há apenas a necessidade da reclusão. A única companhia é o copo. O único capaz de escutar calado, de permitir o choro exagerado e barulhento. Aquele que não enxuga as lágrimas, mas ajuda a aumentá-las. Um mendicante de lamentos. Um carniceiro dos descorçoados.
Não há maneira melhor de aumentar a agrura do que com um copo cheio. O líquido que percorre os canais do corpo é absurdamente compatível com as dilatações das artérias e das veias. É feito monóxido de carbono com o sangue. Alimenta cada célula sedenta por algo que a motive a continuidade de suas funções.
Copo cheio e coração vazio. A bebida que simboliza os planos desfeitos. O destino borrado. A cerveja cuja cevada é a marca de uma vida interrompida. Um vinho preservado às custas de promessas inadimplidas.

E enquanto a bebida se esvai, a tristeza vai tomando corpo. Os planos vão sendo novamente ingeridos. De tantos vazios o coração se enche aos poucos. De tantos copos segurados as mãos vão reestabelecendo a sensibilidade de se abrir ao encaixe de outros dedos. O copo estranho é o primeiro contato com o amor desconhecido. 

THIANE ÁVILA.

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