Então é chegado o momento. O momento de distribuir abraços. O momento de
ver quem há tempo não se via. O momento de planejar a felicidade para um início
que está logo à frente. A uma véspera de distância.
Natal rima com tanta coisa. Final de ano é fase imantada com os planos.
Xifópago dos sonhos. Siamês das confabulações.
Vejo o Natal como alguém que procura, nem que seja por alguns instantes,
alternar o lugar das sombras. Estrofar tristezas. Poetizar a rotina de uma
forma romântica e fugaz. Alguém, ainda, que tem a capacidade de despertar da
hibernação sonhos. De fertilidade ímpar para gerar outros tantos.
Os sonhos que nos acorrentam não podem esperar. O nocaute que nos dão
pela falta de persistência é um alerta de perigo à sanidade. Uma luz vermelha
que pisca quando algo está errado. Quando não priorizamos prioridades. Quando
não nos atentamos aos detalhes que, por si só, já seriam suficientes à
plenitude de ser.
Sempre desejo ir embora no Natal. Refugiar-me em um lugar distante, onde
possa transcender a um plano só meu. Meu e de algo superior. Meu e de mais ninguém.
Onde eu possa, talvez, fazer personificar minha consciência. Fazer de meus
sonhos uma prosopopeia para que eu possa dar mais valor. Sentí-los no toque.
Valorizar como um igual.
O nocaute de uma vida amargurada é a prova de um caminhar contra o
tempo. De uma perspectiva sem panorama. De um ser por ser. Um respirar sem
sentir o ar percorrer o corpo. Uma vivência nômade dos sentimentos.
Não é possível que os sonhos vivam em nós de aluguel. Que as lutas sejam
vãs. Que não busquemos os resultados mesmo nas derrotas. Resultados são o
final. A graça de viver é chegar ao final. Não há sentido em existir se não
houver motivação de continuar. Ânimo em ser.
Não vale a pena sujarmo-nos fumando apenas um cigarro. Não faz sentido
buscarmos as realizações que estão logo ali, à venda em qualquer banca de
revistas. Isso qualquer um faz. É o sentar-se e acomodar-se. É o viver sem o
ser. É o ser que apenas existe.
Já passou meu carnaval. Não estou esperando o próximo. Percorrer os dias
e noites esperando pelos feriados é a maior aflição de qualquer tempo. De
qualquer idade ou credo.
Não beijo qualquer esmola de vida para não gastar o meu batom. Eu estou
sempre aflita pelas chegadas e pelas voltas. Pelo velho e pelo novo. Pelo novo
que ficou velho e pelo velho que voltou a ser novo.
É que eu estou sempre indo embora. Deixando meus cascos e construindo
novos. Vivendo os Natais com a mesma emoção de cada amanhecer. Os fins são
apenas pretexto para os recomeços. Na verdade, não há final.
O presente que mais anseio e que peço ao bom velhinho é um relógio que
possa marcar o tempo que falta para eu esquecer certas coisas. Amar certos
erros. A felicidade que compro em bancas de revistas estão acumuladas e envelhecidas
em meus armários. Basta a ameaça de qualquer faísca e elas esvaem-se.
No entanto, ainda quero ir embora. Se for para marcar alguma coisa,
façamos que o Natal marque as despedidas e os novos encontros. De alguma forma,
é preciso sempre deixar-se ir. Despedir-se de algumas partes. Dar boas-vindas a
outras.
Natal, então, talvez seja uma grande viagem. O trenó talvez seja uma
mensagem sublimar dos adeuses. O Papai Noel talvez não passe de um
intermediário das lembranças. O saco enorme que carrega, apenas uma simbologia
do peso das bagagens que carregamos sem que tenham rumo.
No momento em que o bom velhinho termina sua jornada, perceba que o saco
está vazio. O trenó, mais leve. É, pois, o recomeço. O fim da viagem que se
confunde com o seu início.
O Natal talvez seja, então, simplesmente passagem. Uma viagem
psicológica necessária e da qual não escapamos, nem que seja em apenas um dia
do ano. Imprudentes, adiamos tanto que chega uma hora que nos obrigamos a
parar.
Essa é a época certa para irmos embora. Para pararmos de festejar pelos
restos que nos são destinados. Pelas sobras de amor. Pelas parcelas de carinho
e preocupação.
A passagem que a data marca é um apelo de autovalorização e de
amor-próprio. Ir embora da vida que se leva não é deixar tudo, mas saber deixar
marcas aos que ficam e rastros que mostrem o caminho de volta, nem que seja
para uma visita. Amar cada passo dado, eis o segredo.
Antes de ir embora, desejo que todos esbarremos com nossos sonhos em
cada esquina. Que sejamos vítimas da incapacidade de viver pela metade e de
aceitar parcelas de vínculos. Que, assim como nossos amores, também saibamos
nos doar por inteiro. Sofrer por inteiro. Doer por inteiro. Sorrir e amar por
inteiro.
Só quem é inteiro é capaz de negar frações de vida. O Natal deve
significar completude de algo. De preferência, que cada pedaço de alma que foi
sendo esquecido em ruelas e becos possa se reencontrar e fortificar a
existência. Essa viagem toda, então, valerá a pena. Vagando pela vida para
permanecer nela. Sendo nômade para criar raízes. Sendo Natal para ser o ano inteiro.
THIANE ÁVILA.
THIANE ÁVILA.
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