sexta-feira, 12 de dezembro de 2014

Quero flores sem vida



A lembrança me é mais atraente. A memória do que passou é, para mim, a prova da validade do momento. De acordo com a intensidade do pensamento, está a relevância da experiência.

O prender-se a um nome. O apego a um cheiro. Tudo parte do passado. Tudo engavetado na rememoração. Vidas somadas aos exageros dos devaneios.

Quem lembra sempre inclui ou exclui algo da lembrança. E é isso que a torna ainda mais afável e deleitosa. É o misto do imaginário com o real. É a sensação física na ficção. É a ficção verídica da irrealidade.

A lembrança é a capacidade de unir as intenções com as vivências. No pensamento, somos capazes de terminar uma fala interrompida. Capazes de reproduzir uma ação com outro sentimento.

Reviver é experienciar a tristeza quando se está feliz. É dançar um ritmo ao som de outra música. Recordar é sorrir na derrota e chorar na vitória. Lembrar um amor é amar duplamente. Lembrar um desamor é, talvez, apiedar-se dele. É a condolência de um gesto agressivo praticado por si mesmo. É o arrependimento pelo pouco feito. É a satisfação pelo pouco tempo perdido.

Quero flores sem vida. Quero apenas a lembrança do que um dia elas foram. Tomar-lhes em minhas mãos e sentir a sinestesia da sua juventude com o cheiro exalado hoje. O cheiro de morte. Uma morte viva pela existência irrefutável da lembrança.

Valorizar a memória é o mesmo que sentir prazer na releitura. A releitura de uma mesma história sob diferentes circunstâncias. Sob diferentes formas de si mesmo. Cada dia somos um. Os pensamentos serão sempre uma novidade.

Não há possibilidade em rememorar algo da mesma forma de um segundo para outro. A eternidade da lembrança está subordinada exclusivamente ao instante exato de sua duração.

 Rebobinar momentos é sujeitá-los à constante e inevitável adequação.  Mais que isso, é querê-los mudados. É precisar da mutação para sobreviver. É a transformação que dignifica. A alternância que imortaliza.

Trata-se da valia do mofo, da poeira e do ácaro. Travesseiros pesados pelo volume desnorteante. Lençóis manchados de amor, intocáveis e enrijecidos.

O amor em pequenas parcelas é a sequência de capítulos da novela dos amantes. Cenas esquizofrenicamente sujeitas à repetição. Um acervo impenetrável de um longa-metragem feito sem a pretensão do presente. É o seriado gravado. O romeu e julieta da mente- sempre com nova versão. Sempre com novas personagens.

De preferência, quero os sapatos sujos. Imundos de trajetos percorridos. Enlameados de percalços e cuidadosamente costurados para a proteção a dias de chuva. Sapatos usados na primeira entrevista de emprego e na promoção.

Quero o vinil de minha história. Preciso do LP de minhas desilusões. Careço do berço usado para levar-me aos sonos tranquilos da infância.


Preciso que me lembre de como nos conhecemos, a seu modo. Vou acrescentar a sua sensação à minha. Deixar que outro ponto de vista penetre-a para que, assim, torne-se indubitavelmente particular.


THIANE ÁVILA.

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