terça-feira, 20 de janeiro de 2015

No caminho eu te explico



Vem comigo que no caminho eu te explico. Vamos nos preocupar primeiro em andar, sair desse lugar. Mesmo sem motivo, acabaremos esbarrando com alguma ameaça de sentido no meio da estrada. Encontraremos razões para continuar em movimento.

O importante é sempre dar o primeiro passo, desguarnecido de lampejos de consciência. A sensação de viver torna-se nítida quando experimentamos os primitivismos da existência. A falta de dados e explicações para as decisões e para os passos.

O vento é a explicação que tenho a dar nesse instante. Ele é a minha mochila, que guarda toda a bagagem de que necessito para a realidade andarilha e sem panorama.

Surgir é mais aprazível que chegar. A chegada é previsível. O caminho é, geralmente, conhecido. Quando surgimos, no entanto, é impossível que descubram nossas cicatrizes. Não damos referência geográfica de posição. Simplesmente aparecemos.

A vida é, pois, um amontoado de ressurgências. Não há desaparecimento. Não há nada senão o dom de desfazer-se da própria presença e comutar-se em pó para ter valor. Quando esfacelamos a nós mesmos, temos a possibilidade de juntar as migalhas ou deixar que as juntem. Alguém, a alguma hora, com certeza, as juntará.

Nossas migalhas de existência são a explicação do caminho. Temos que ir para apreender. Sujar-se para descobrir a verdadeira face da aura cândida ou negra. Abismal ou terreira.

Não quero, pois, a boa razão das coisas. Minha falta de intento é uma motivação para o planejamento do sucesso. Sucesso existencial que, de quando em vez, mascara-se em cancro salsável e fatal.

Abismem as almas para desfazer o espírito renuente. Não há renuência na realidade que saboreia. Abismos rasos de penetrações profundas. Penetrações de raios solares sedentos pelo espaço que cintila escuridão.

No caminho, é possível explicar a escuridão que serve de guia às passagens. Não vejo sentido em andar sobre pedras macias quando o convite às melhores trilhas são aqueles que dispensam guia. Trilha da vida. Estrada das encarnações arrependidas pelas boas razões.
De boas razões entediei-me de esperar. Pela ausência de porquês, diverti-me na dança dos pássaros que viajavam ao seu destino de inverno. A sua boa razão de ser livre.

Sem maiores profundidades, é mais inteligente queimar-se de vez do que se apagar aos poucos. Idas e vindas. Perdas e ganhos. Surgir e desaparecer em labaredas de desistência é um revés do ser. Queimemos, pois, cada pedaço de respiração para que, na ressurgência, surja novo e inédito.


As palavras explicadas estão sujas de suas próprias explicações. Venha comigo que no caminho eu explico. Saindo de nós mesmos para encontrarmo-nos em algum lugar. Abandonando os lugares para encontrarmo-nos a nós mesmos. Que assim seja.


THIANE ÁVILA.

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